IA como Alavanca (Parte 4 de 7): Por que Construir a 'Coisa Errada' Mais Rápido é o Maior Risco da IA
A Armadilha da “Fábrica de Features” Turbinada
Com a chegada dos assistentes de código baseados em IA, a barreira para criar software caiu drasticamente. Hoje, é trivial gerar novas features, telas inteiras e APIs em tempo recorde. O sentimento imediato é de euforia: “Estamos entregando 50% mais rápido!”
Mas, se você olhar para os ponteiros do negócio — retenção, churn, receita — eles podem estar estagnados.
Este é o perigo da “Fábrica de Features” turbinada pela IA. A tecnologia é um motor potente, mas o Foco no Usuário é o volante. Se você der um motor de Fórmula 1 para um time que não sabe para onde está indo, eles não vão chegar ao pódio mais rápido; eles vão bater no muro mais rápido.
O Relatório DORA 2025 traz uma revelação contundente: em equipes que não têm um foco centrado no usuário, a adoção de IA tem um impacto negativo na performance da equipe. Apesar de não ser novidade, é interessante poder constatar isso com uma abordagem científica.
Isso mesmo. A IA pode atrapalhar. Sem a direção correta, ela acelera a produção de complexidade, débito técnico e funcionalidades que ninguém usa.
Velocidade sem Direção é Desperdício (O Custo do Output vs. Outcome)
Na engenharia, é fácil confundir Output (código produzido, PRs mergeados, story points) com Outcome (valor gerado para o cliente). A IA é excelente em gerar Output. Ela não sabe nada sobre Outcome — a menos que você a direcione.
Antes, construir a funcionalidade errada levava duas semanas. Hoje, com IA, pode levar dois dias. O ciclo de desperdício (construir -> lançar -> falhar -> refazer) ficou mais rápido, consumindo recursos de nuvem e queimando a energia mental do time.
O DORA 2025 confirma que o foco no usuário não é apenas “coisa de designer”. Equipes centradas no usuário têm maior produtividade, maior satisfação no trabalho e menos burnout. Sem isso, a IA vira apenas uma ferramenta de pressão por mais código.
O Que Significa “Foco no Usuário” para a Engenharia?
Não basta o Product Manager (PM) falar com o cliente. A engenharia precisa entender o problema para usar a IA de forma eficaz. Segundo o DORA, o foco no usuário se manifesta quando o time:
- Usa o feedback do usuário para repriorizar o trabalho.
- Entende claramente o que o usuário quer alcançar.
- Vê a experiência do usuário como chave para o sucesso do negócio.
Como um CTO as a Service Implementa Isso na Prática (O “Como Fazer”)
Como CTO as a Service, meu papel muitas vezes é atuar como a Ponte Estratégica, impedindo que a engenharia se isole em uma bolha técnica.
O Cenário (Exemplo Prático): Imagine a startup “SpeedShip”. O time de engenharia está “voando” com o Copilot, entregando 10 tickets por semana. Mas o NPS está caindo e os desenvolvedores sentem que estão “enxugando gelo” (fazendo coisas que ninguém usa). O CTO está focado apenas em métricas de throughput (DORA metrics), ignorando o produto.
Minha Abordagem como CTO as a Service (O Plano de Ação):
Passo 1 – Diagnóstico de Conexão (O Teste do “Porquê”)
Vou a uma daily ou reunião de planejamento e faço uma pergunta simples para um desenvolvedor: “Por que estamos construindo essa feature? Qual problema do usuário ela resolve?” No “faz de conta”: O dev responde “Porque estava no Jira”. Diagnóstico: O time é uma fábrica de tickets. A IA só está acelerando a esteira de produção, sem conexão com o valor.
Passo 2 – Quebrando o Silo (Engenharia encontra o Cliente)
Para conectar o time à realidade, instituímos ações táticas, como rotação de engenheiros no suporte. Mas usamos a IA para escalar essa empatia. Ação: Configuramos uma ferramenta de IA para analisar tickets de suporte e transcrições de chamadas de vendas, gerando um “Resumo da dor do Cliente” semanal. Resultado: A IA processa o volume de dados, mas o humano (o engenheiro) absorve a empatia ao ler os resumos. O time passa a entender quem está do outro lado da tela.
Passo 3 – Redefinindo a “Definition of Done” (DoD)
Código “pronto” não é código mergeado. É código usado e medido. Ação: Alteramos o processo para que nenhuma feature saia sem instrumentação (telemetria de uso, observabilidade). Se não podemos medir se o usuário usou, não construímos. A IA pode ajudar a escrever o código de telemetria rapidamente.
Passo 4 – IA na Descoberta (Discovery), não só na Entrega
Mudamos o foco do uso da IA. Em vez de apenas usar o Copilot para “gerar código para essa função”, ensinamos o time a usar a IA para “analisar esses 50 feedbacks de clientes e sugerir qual é a causa raiz do problema”. Resultado: Isso posiciona a engenharia como solucionadora de problemas, usando IA para entender o problema antes de gerar a solução.
Conclusão: A IA precisa de um piloto
A IA não tem empatia. Ela não sabe se sua ideia de produto é ruim. Ela vai construí-la com a mesma eficiência e velocidade com que construiria uma ideia genial.
O Foco no Usuário é o “piloto” que garante que esse motor potente nos leve ao destino certo, em vez de apenas queimar combustível.
Alinhar Engenharia e Produto é um desafio cultural difícil, especialmente em empresas que crescem rápido. Como CTO as a Service, eu atuo como a ponte estratégica que garante que seu time técnico esteja construindo valor, e não apenas código.
No próximo artigo desta série: Vamos falar sobre Ecossistemas de Dados Saudáveis – o combustível de qualidade que sua IA precisa para funcionar além do básico.
Recursos Adicionais
- Relatório DORA 2025 (State of AI-assisted Software Development): https://dora.dev/research/2025/dora-report/
- Relatório DORA 2024 (Accelerate State of DevOps): https://dora.dev/research/2024/dora-report/
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