IA como Alavanca (Parte 2 de 7): Domando a Velocidade da IA com a Disciplina de Pequenos Lotes
O Paradoxo do “PR Gigante”
Sua equipe adotou o GitHub Copilot ou outra ferramenta de IA. O feeling é ótimo: o código está sendo escrito 30% mais rápido. Mas, ao olhar para os dashboards, você, como CTO ou Head of Engineering, percebe uma dura realidade: o cycle time (tempo da ideia à produção) não diminuiu.
A equipe de engenharia está afogada em Pull Requests (PRs) gigantescos. A IA facilita a geração de um volume enorme de código de uma só vez. Além disso, prompts abertos ou mal definidos (“crie a funcionalidade X”) geram código desnecessário, verboso ou complexo, inflando ainda mais os PRs.
O sintoma é claro: o que antes era um review de 200 linhas agora tem 2.000. É um problema sistêmico de carga cognitiva e gargalo de fluxo. O time simplesmente não tem tempo para revisar adequadamente essas mudanças monolíticas sem parar todo o resto.
O Problema da Instabilidade: Por que a IA Ainda Prejudica a Estabilidade?
A velocidade da IA tem um custo oculto se não for gerenciada. O Relatório DORA 2024 foi o primeiro a soar o alarme, mostrando que a adoção de IA estava correlacionada com menor estabilidade e throughput .
A atualização do DORA 2025 traz um cenário com maior nuance: o throughput melhorou (as equipes estão aprendendo a usar a ferramenta para gerar código mais rápido), mas a instabilidade persiste .
A causa raiz? Lotes grandes. Um PR de 2.000 linhas gerado por IA é exponencialmente mais arriscado de revisar e mergear. Some a isso o “ceticismo saudável” que o próprio DORA 2025 identificou (onde 30% dos desenvolvedores têm pouca ou nenhuma confiança na qualidade do código gerado ), e o review se torna lento, penoso e altamente propenso a erros.
A Solução DORA 2025: Lotes Pequenos como Antídoto Estratégico
Felizmente, o DORA 2025 não aponta apenas o problema; ele valida a solução. A pesquisa identifica “Trabalhar em Pequenos Lotes” (Working in Small Batches) como uma capacidade fundamental que amplifica a performance do produto e reduz o atrito para times que usam IA .
Isso não é uma ideia nova. É uma validação moderna de um princípio central do Extreme Programming (XP), que prega “pequenos releases” (small releases) e Test-Driven Development (TDD) há décadas. O TDD é, em essência, a disciplina que força o trabalho em lotes pequenos, independentes e verificáveis (o ciclo Red-Green-Refactor).
A IA não muda essa regra; ela a torna 10x mais importante. A IA deve ser usada para acelerar a frequência de lotes pequenos, não o tamanho de um lote grande.
Por que “Pequenos Lotes” é o antídoto?
- Feedback Rápido: Lotes menores são revisados mais rápido.
- Risco Reduzido: São mais fáceis de testar. Uma suíte de testes automatizados robusta (a “rede de segurança”) dá a confiança para mergear rapidamente.
- Fluxo Contínuo (Flow): Previne o acúmulo de trabalho (WIP) e a paralisia dos reviews.
Como um CTO as a Service Implementa Isso na Prática (O “Como Fazer”)
O Cenário (Exemplo Prático): Imagine a “Startup ‘MetricsDev’” (Série B). O Head of Engineering está frustrado. Os devs amam o Copilot, a velocidade de codificação aumentou, mas o deploy está mais lento. Os PRs estão parados dias na fila de review.
Passo 1 – O Diagnóstico no Fluxo (Onde Dói?)
O primeiro passo é usar dados. Junto com a liderança e a equipe, conduzimos um exercício de Mapeamento do Fluxo de Valor (VSM), analisando o tempo desde a “ideia” até o “deploy”.
No “Faz de Conta”: O VSM revela que o tempo de “codificação” diminuiu 30%, mas o Pull Request Lead Time (tempo do PR aberto até o merge) e o Code Review Wait Time triplicaram. O gargalo não é mais a escrita do código; ele mudou para o review.
Passo 2 – O Workshop de Alinhamento (Redefinindo “Rápido” e “Seguro”)
Reúno a equipe. Mostro o dado do VSM: “Estamos codando mais rápido, mas entregando mais devagar. Por quê?” Apresento os insights: Lotes grandes quebram o fluxo. A velocidade da IA sem uma rede de segurança de testes está apenas amplificando nosso risco e nosso gargalo de review.
- Nova Definição de “Rápido”: “Rápido” não é a velocidade de escrita do código. “Rápido” é a velocidade do fluxo (
commitaodeploy).
Passo 3 – Habilitando o Fluxo Contínuo (Técnica, Testes e Processo)
O objetivo estratégico é o Continuous Integration (CI) e Continuous Delivery (CD).
Técnica 1 (CI/CD e Branching): Para habilitar o CI/CD, reforçamos o Trunk-Based Development ou Short-Lived Feature Branches. O objetivo é integrar com a
mainmúltiplas vezes ao dia.Técnica 2 (A Disciplina do TDD e Testes Automatizados): Esta é a “rede de segurança” que permite que lotes pequenos e rápidos sejam seguros.
- Reforçamos a prática de TDD: Escreva o teste (Red), peça à IA para gerar o código (Green), revise e refatore (Refactor). Isso foca a IA em um problema específico e verificável.
- Usando a IA como Aliada de Testes: A IA é excelente para aumentar a cobertura de testes. “Use a IA para gerar os 5 casos de teste boilerplate para esta função, enquanto eu penso nos edge cases.”
Mas por que não automatizar o Code Review com IA? (Abordando a Objeção)
- É o caminho natural, mas há uma armadilha. Devemos separar Assistência de Review de Automação de Review.
- O que a IA faz (Muito Bem): Atuar como um “Super-Linter”. Ela é ótima para encontrar bugs óbvios, sugerir otimizações, verificar style guides e até resumir o que o PR faz. Isso é assistência.
- O que a IA (ainda) não faz: Validar a intenção de negócio. A IA não sabe por que a feature foi pedida. Ela não pode julgar se a solução técnica está alinhada com a arquitetura de longo prazo ou se resolve o problema real do usuário. Ela valida a sintaxe, não o valor.
- A Armadilha do PR Gigante + IA Review: Confiar em uma IA para aprovar um PR de 2.000 linhas gerado por outra IA é a forma mais rápida de aprovar um non-sense arquitetural ou uma falha de lógica de negócio.
- A Solução: A IA assiste o review humano de um lote pequeno. A IA acelera a verificação dos 80% mecânicos. O humano foca nos 20% estratégicos (a lógica de negócio e arquitetura). O lote pequeno torna essa revisão humana viável, rápida e de baixo risco.
Processo (Quebrando Tarefas) e o Papel da IA:
- Ensino a equipe a usar a IA de forma incremental. “Use a IA para refatorar esta classe e garantir que os testes passem” (PR 1). “Agora, use a IA para adicionar a nova lógica, com novos testes” (PR 2).
- Usar a IA para ajudar o review humano (Ex: “Peça à IA para resumir seu PR na descrição”).
Passo 4 – O Acordo de Equipe (O Novo “Contrato Social” de Engenharia)
Facilitamos a criação de um “Acordo de Nível de Serviço” (SLA) interno para reviews E uma “Definition of Done” (Definição de Pronto). Exemplo no “Faz de Conta”: “Definition of Done: Nenhum PR é ‘Pronto para Review’ sem testes automatizados que cubram a nova lógica. Nenhum PR deve ter mais que 200 linhas de mudança (exceto auto-generated). Todo PR ‘Pronto’ deve ser revisado em 24h.” Meu papel como CTO Fracionado: Monitorar essa métrica com o Head e mentorar os times para que a disciplina de TDD e lotes pequenos se torne um hábito.
Conclusão: Use a IA para Acelerar o Fluxo, Não Apenas o Código
A velocidade da IA é sedutora, mas é a disciplina dos pequenos lotes e a segurança dos testes automatizados que garantem a entrega de valor sustentável e de alta qualidade.
Sem essa fundação, você não está fazendo engenharia assistida por IA; você está apenas gerando débito técnico e instabilidade mais rápido.
Implementar essa disciplina cultural e técnica enquanto o time está focado na entrega é difícil. Um CTO as a Service atua como o parceiro da liderança de tecnologia para reconfigurar esse fluxo, alinhando as práticas de DevOps com a nova realidade da IA.
No próximo artigo desta série: Veremos a Capacidade nº 3: Plataformas Internas de Qualidade, o alicerce técnico essencial para escalar com IA e pequenos lotes.
Recursos Adicionais
- Relatório DORA 2025 (State of AI-assisted Software Development): https://dora.dev/research/2025/dora-report/
- Relatório DORA 2024 (Accelerate State of DevOps): https://dora.dev/research/2024/dora-report/
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