IA como Alavanca (Parte 3 de 7): Construindo "Golden Paths" para a IA (Mesmo se você vive em um Monolito)

O Mito da “Arquitetura Perfeita”

Se você lidera uma startup em crescimento, provavelmente vive uma realidade distante dos cases de sucesso do Vale do Silício, ou até das terras tupiniquins. Você não tem uma arquitetura de microsserviços imaculada rodando em Kubernetes perfeitamente orquestrados.

Você tem um “Monolito Heroico” — talvez em Rails, Django ou Node — que cresceu rápido demais. Ele funciona e paga as contas, mas é difícil de configurar, lento para fazer deploy e assustador para novos desenvolvedores.

Quando se fala em Engenharia de Plataforma e IA, seu primeiro instinto talvez seja o medo: “Não posso pensar nisso agora. Tenho que refatorar tudo primeiro.”

O Relatório DORA 2025 traz uma verdade libertadora: Você não precisa reescrever tudo para ter uma plataforma. Pelo contrário: é o seu monolito “bagunçado” que mais precisa de uma Plataforma Interna de Qualidade agora.

Sem uma plataforma que abstraia a complexidade do seu legado, a IA não gera impacto no negócio. Ela apenas gera código mais rápido que vai travar na hora de rodar .

Por que a Plataforma é o “Motor da Eficiência” para a IA?

O conceito central aqui são os “Golden Paths”. Uma plataforma não serve para reescrever o código da empresa; ela serve para criar uma estrada pavimentada onde os desenvolvedores (e agora a IA) possam trabalhar sem bater, de nada serve ter velocidade sem direção.

O DORA 2025 descobriu que plataformas de alta qualidade amplificam drasticamente o impacto positivo da IA na performance organizacional .

• O cenário SEM plataforma: O desenvolvedor pede para a IA criar uma nova feature. A IA gera o código em segundos. O desenvolvedor leva 2 dias tentando configurar o ambiente local do monolito para testar esse código, lutando com dependências quebradas e versões de banco de dados. Ganho da IA = Zero.
• O cenário COM plataforma: O desenvolvedor usa um comando simples (CLI) para subir um ambiente efêmero do monolito. A IA cria a feature e a própria plataforma roda os testes automaticamente nesse ambiente. Ganho da IA = Real e Escalável.

Plataforma no Monolito: Abstração, não Refatoração

O maior erro que vejo como CTO as a Service é confundir Plataforma com “Infraestrutura Complexa”. Plataforma não é instalar o Backstage ou migrar para Kubernetes se você não precisa.

Plataforma é Experiência do Desenvolvedor (DX).

Se você tem estruturas desorganizadas ou um monolito legado, não tente “arrumar a casa” inteira de uma vez. O segredo é construir um “andaime” (scaffolding) seguro ao redor do monolito.

Isso pode ser tão simples quanto scripts de automação robustos, ambientes de preview por Pull Request ou dados de teste sanitizados que funcionam sempre. A plataforma é a camada que diz à IA (e ao Dev): “Não se preocupe com a bagunça, apenas use esta interface que vai dar tudo certo.”

Como um CTO as a Service Implementa a “TVP” (Thinnest Viable Platform)

Aqui na CM-XO, aplicamos o conceito de TVP (Thinnest Viable Platform) — a Plataforma Mínima Viável. Não construímos a “NASA”, construímos o “trilho” que seu time precisa hoje. O conceito de TVP foi criado à muitos anos, vem do Team Topologies de Mathew Skelton e Manuel Pais, o livro entra em vários detalhes interessantes.

O Cenário (Exemplo Prático): Imagine a startup “LegacyScale”. Eles têm um monolito em PHP/Laravel de 8 anos. Ninguém sabe como rodar o ambiente local direito. A IA está gerando código, mas ele quebra em produção porque o ambiente de desenvolvimento é diferente do de produção.

Minha Abordagem como CTO as a Service (O Plano de Ação):

Passo 1 – Identificar a Fricção Máxima (Onde a IA trava?)

Não começamos instalando portais (sabe o tal do IDP - Internal Developer Portal - pois é, pulamos ele por enquanto). Começamos com diagnóstico. Onde os devs (e a IA) perdem mais tempo? No “Faz de Conta”: Descobrimos que configurar o banco de dados local com dados úteis leva 4 horas. A IA não consegue resolver “configuração de ambiente”. A Plataforma precisa resolver isso.

Passo 2 – Construir o Primeiro “Golden Path” (O “Happy Path”)

Em vez de refatorar o PHP, criamos uma abstração. Ação: Criamos um Docker Compose robusto e um Makefile padronizado. Resultado: Agora, qualquer dev (ou agente de IA) roda make start e o ambiente sobe completo em 5 minutos, com banco populado. Isso é uma Plataforma Interna de Qualidade para este estágio.

Passo 3 – A Plataforma como “Cérebro” da IA (Contexto faz toda diferença)

Aqui está o pulo do gato. Uma IA genérica não conhece as peculiaridades (AKA “gambiarras”) do seu monolito de 8 anos. Se você pedir para ela criar uma query, ela vai criar algo padrão que provavelmente quebra o seu banco legado.

• O Problema: A IA gera código “correto” em teoria, mas “errado” para o seu legado porque lhe falta contexto.
• A Solução da Plataforma: O DORA 2025 destaca a capacidade de “Dados Internos Acessíveis à IA” . Usamos a plataforma para automatizar a extração desse contexto.
• Ação no “Faz de Conta”: Configuramos um job na plataforma que varre o banco de dados de homologação e gera, automaticamente, um arquivo atualizado com o esquema do banco e a documentação das APIs internas. Esse contexto é indexado e disponibilizado para a ferramenta de IA (via RAG ou contexto do GitHub Copilot).
• O Ganho Real: Agora, quando o dev pede: “Crie uma rota de usuário”, a IA sabe que a tabela se chama tbl_usr_2018 e não users. A plataforma garantiu que a IA “aprendesse” o legado, economizando horas de depuração.

Conclusão: A Plataforma é a “API” do seu Monolito

Você não precisa matar seu monolito para usar IA. Você precisa encapsulá-lo com uma plataforma que torne o trabalho nele cognitivamente barato .

Uma plataforma interna transforma um “legado assustador” em um “produto interno consumível”. É isso que permite que a IA atue como acelerador, e não como gerador de caos.

Construir essa camada de abstração exige visão de produto e técnica. Como CTO as a Service, eu ajudo a definir qual é a “Plataforma Mínima” que sua empresa precisa para desbloquear a IA hoje, sem esperar a refatoração do ano que vem.

No próximo artigo desta série: Vamos falar sobre Foco Centrado no Usuário — e por que a IA pode ser perigosa se você estiver construindo a coisa errada muito rápido.

Recursos Adicionais

• Relatório DORA 2025 (State of AI-assisted Software Development): https://dora.dev/research/2025/dora-report/
• Relatório DORA 2024 (Accelerate State of DevOps): https://dora.dev/research/2024/dora-report/
• Backstage: https://backstage.io/